Histórico do ensino de Arte no Brasil e perspectivas
Ao recuperar, mesmo que brevemente, a história do ensino de Arte
no Brasil, pode-se observar a integração de diferentes orientações
quanto às suas finalidades, à formação e atuação
dos professores, mas, principalmente, quanto às políticas educacionais
e os enfoques filosóficos, pedagógicos e estéticos.
O ensino de Arte é identificado pela visão humanista e filosófica
que demarcou as tendências tradicionalista e escolanovista . Embora
ambas se contraponham em proposições, métodos e entendimento
dos papéis do professor e do aluno, ficam evidentes as influências
que exerceram nas ações escolares de Arte. Essas tendências
vigoraram desde o início do século e ainda hoje participam
das escolhas pedagógicas e estéticas de professores de Arte.
Na primeira metade do século XX, as disciplinas Desenho, Trabalhos
Manuais, Música e Canto Orfeônico faziam parte dos programas
das escolas primárias e secundárias, concentrando o conhecimento
na transmissão de padrões e modelos das culturas predominantes.
Na escola tradicional, valorizavam-se principalmente as habilidades manuais,
os “dons artísticos”, os hábitos de organização
e precisão, mostrando ao mesmo tempo uma visão utilitarista
e imediatista da arte. Os professores trabalhavam com exercícios e
modelos convencionais selecionados por eles em manuais e livros didáticos.
O ensino de Arte era voltado essencialmente para o domínio técnico,
mais centrado na figura do professor; competia a ele “transmitir” aos alunos
os códigos, conceitos e categorias, ligados a padrões estéticos
que variavam de linguagem para linguagem mas que tinham em comum, sempre,
a reprodução de modelos.
A disciplina Desenho, apresentada sob a forma de Desenho Geométrico,
Desenho do Natural e Desenho Pedagógico, era considerada mais por
seu aspecto funcional do que uma experiência em arte; ou seja, todas
as orientações e conhecimentos visavam uma aplicação
imediata e a qualificação para o trabalho.
As atividades de teatro e dança somente eram reconhecidas quando
faziam parte das festividades escolares na celebração de datas
como Natal, Páscoa ou Independência, ou nas festas de final
de período escolar. O teatro era tratado com uma única finalidade:
a da apresentação. As crianças decoravam os textos
e os movimentos cênicos eram marcados com rigor.
Em Música, a tendência tradicionalista teve seu representante
máximo no Canto Orfeônico, projeto preparado pelo compositor
Heitor Villa-Lobos, na década de 30. Esse projeto constitui referência
importante por ter pretendido levar a linguagem musical de maneira consistente
e sistemática a todo o País. O Canto Orfeônico difundia
idéias de coletividade e civismo, princípios condizentes com
o momento político de então. Entre outras questões,
o projeto Villa-Lobos esbarrou em dificuldades práticas na orientação
de professores e acabou transformando a aula de música numa teoria
musical baseada nos aspectos matemáticos e visuais do código
musical com a memorização de peças orfeônicas,
que, refletindo a época, eram de caráter folclórico,
cívico e de exaltação.
Depois de cerca de trinta anos de atividades em todo o Brasil, o Canto
Orfeônico foi substituído pela Educação Musical,
criada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira
de 1961, vigorando efetivamente a partir de meados da década de 60.
Entre os anos 20 e 70, as escolas brasileiras viveram outras experiências
no âmbito do ensino e aprendizagem de arte, fortemente sustentadas
pela estética modernista e com base na tendência escolanovista.
O ensino de Arte volta-se para o desenvolvimento natural da criança,
centrado no respeito às suas necessidades e aspirações,
valorizando suas formas de expressão e de compreensão do mundo.
As práticas pedagógicas, que eram diretivas, com ênfase
na repetição de modelos e no professor, são redimensionadas,
deslocando-se a ênfase para os processos de desenvolvimento do aluno
e sua criação.
As aulas de Desenho e Artes Plásticas assumem concepções
de caráter mais expressivo, buscando a espontaneidade e valorizando
o crescimento ativo e progressivo do aluno. As atividades de artes plásticas
mostram-se como espaço de invenção, autonomia e descobertas,
baseando-se principalmente na auto-expressão dos alunos. Os professores
da época estudam as novas teorias sobre o ensino de Arte divulgadas
no Brasil e no exterior, as quais favorecem o rompimento com a rigidez estética,
marcadamente reprodutivista da escola tradicional .
Com a Educação Musical, incorporaram-se nas escolas também
os novos métodos que estavam sendo disseminados na Europa. Contrapondo-se
ao Canto Orfeônico, passa a existir no ensino de música um outro
enfoque, quando a música pode ser sentida, tocada, dançada,
além de cantada. Utilizando jogos, instrumentos de percussão,
rodas e brincadeiras buscava-se um desenvolvimento auditivo, rítmico,
a expressão corporal e a socialização das crianças
que são estimuladas a experimentar, improvisar e criar. No período
que vai dos anos 20 aos dias de hoje, faixa de tempo concomitante àquela
em que se assistiu a várias tentativas de se trabalhar a arte também
fora das escolas, vive-se o crescimento de movimentos culturais, anunciando
a modernidade e vanguardas. Foi marcante para a caracterização
de um pensamento modernista a “Semana de Arte Moderna de São
Paulo”, em 1922, na qual estiveram envolvidos artistas de várias modalidades:
artes plásticas, música, poesia, dança, etc. Em artes
plásticas, acompanhou-se uma abertura crescente para as novas expressões
e o surgimento dos museus de arte moderna e contemporânea em todo
o País. A encenação do “Vestido de Noiva” (1943), de
Nelson Rodrigues, introduz o teatro brasileiro na modernidade. Em música,
o Brasil viveu um progresso excepcional, tanto na criação
musical erudita, como na popular. Na área popular, traça-se
a linha poderosa que vem de Pixinguinha e Noel Rosa e chega, hoje, ao movimentado
intercâmbio internacional de músicos, ritmos, sonoridades,
técnicas, composição, etc., passando pelo momento
de maior penetração da música nacional na cultura mundial,
com a Bossa Nova.
Em fins dos anos 60 e na década de 70 nota-se uma tentativa de
aproximação entre as manifestações artísticas
ocorridas fora do espaço escolar e a que se ensina dentro dele: é
a época dos festivais da canção e das novas experiências
teatrais, quando as escolas promovem festivais de música e teatro
com grande mobilização dos estudantes.
Esses momentos de aproximação — que já se anunciaram
quando algumas idéias e a estética modernista influenciou o
ensino de Arte — são importantes, pois sugerem um caminho integrado
à realidade artística brasileira, considerada mundialmente
original e rica.
Mas o lugar da arte na hierarquia das disciplinas escolares corresponde
a um desconhecimento do poder da imagem, do som, do movimento e da percepção
estética como fontes de conhecimento. Até os anos 60, existiam
pouquíssimos cursos de formação de professores nesse
campo, e professores de quaisquer matérias ou pessoas com alguma
habilidade na área (artistas e estudiosos de cursos de belas-artes,
de conservatórios, etc.) poderiam assumir as disciplinas de Desenho,
Desenho Geométrico, Artes Plásticas e Música.
Em 1971, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
a arte é incluída no currículo escolar com o título
de Educação Artística, mas é considerada “atividade
educativa” e não disciplina. A introdução da Educação
Artística no currículo escolar foi um avanço, principalmente
se se considerar que houve um entendimento em relação à
arte na formação dos indivíduos, seguindo os ditames
de um pensamento renovador. No entanto, o resultado dessa proposição
foi contraditório e paradoxal. Muitos professores não estavam
habilitados e, menos ainda, preparados para o domínio de várias
linguagens, que deveriam ser incluídas no conjunto das atividades
artísticas (Artes Plásticas, Educação Musical,
Artes Cênicas). Para agravar a situação, durante os
anos 70-80, tratou-se dessa formação de maneira indefinida:
“... não é uma matéria, mas uma área bastante
generosa e sem contornos fixos, flutuando ao sabor das tendências
e dos interesses”. A Educação Artística de mostrava,
em sua concepção e desenrolar, que o sistema educacional vigente
estava enfrentando dificuldades de base na relação entre teoria
e prática.
Os professores de Educação Artística, capacitados
inicialmente em cursos de curta duração, tinham como única
alternativa seguir documentos oficiais (guias curriculares) e livros didáticos
em geral, que não explicitavam fundamentos, orientações
teórico-metodológicas ou mesmo bibliografias específicas.
As próprias faculdades de Educação Artística,
criadas especialmente para cobrir o mercado aberto pela lei, não
estavam instrumentadas para a formação mais sólida
do professor, oferecendo cursos eminentemente técnicos, sem bases
conceituais. Desprestigiados, isolados e inseguros, os professores tentavam
equacionar um elenco de objetivos inatingíveis, com atividades múltiplas,
envolvendo exercícios musicais, plásticos, corporais, sem conhecê-los
bem, que eram justificados e divididos apenas pelas faixas etárias.
De maneira geral, entre os anos 70 e 80, os antigos professores de Artes
Plásticas, Desenho, Música, Artes Industriais, Artes Cênicas
e os recém-formados em Educação Artística viram-se
responsabilizados por educar os alunos (em escolas de ensino médio)
em todas as linguagens artísticas, configurando-se a formação
do professor polivalente em Arte. Com isso, inúmeros professores
deixaram as suas áreas específicas de formação
e estudos, tentando assimilar superficialmente as demais, na ilusão
de que as dominariam em seu conjunto. A tendência passou a ser a diminuição
qualitativa dos saberes referentes às especificidades de cada uma
das formas de arte e, no lugar destas, desenvolveu-se a crença de
que bastavam propostas de atividades expressivas espontâneas para que
os alunos conhecessem muito bem música, artes plásticas, cênicas,
dança, etc.
Pode-se dizer que nos anos 70, do ponto de vista da arte, em seu ensino
e aprendizagem foram mantidas as decisões curriculares oriundas do
ideário do início a meados do século 20 (marcadamente
tradicional e escolanovista), com ênfase, respectivamente, na aprendizagem
reprodutiva e no fazer expressivo dos alunos. Os professores passam a atuar
em todas as áreas artísticas, independentemente de sua formação
e habilitação. Conhecer mais profundamente cada uma das modalidades
artísticas, as articulações entre elas e conhecer artistas,
objetos artísticos e suas histórias não faziam parte
de decisões curriculares que regiam a prática educativa em
Arte nessa época.
A partir dos anos 80 constitui-se o movimento Arte-Educação,
inicialmente com a finalidade de conscientizar e organizar os profissionais,
resultando na mobilização de grupos de professores de arte,
tanto da educação formal como da informal. O movimento Arte-Educação
permitiu que se ampliassem as discussões sobre a valorização
e o aprimoramento do professor, que reconhecia o seu isolamento dentro da
escola e a insuficiência de conhecimentos e competência na área.
As idéias e princípios que fundamentam a Arte-Educação
multiplicam-se no País por meio de encontros e eventos promovidos
por universidades, associações de arte-educadores, entidades
públicas e particulares, com o intuito de rever e propor novos andamentos
à ação educativa em Arte.
Em 1988, com a promulgação da Constituição,
iniciam-se as discussões sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, que seria sancionada apenas em 20 de dezembro
de 1996. Convictos da importância de acesso escolar dos alunos de
ensino básico também à área de Arte, houve manifestações
e protestos de inúmeros educadores contrários a uma das versões
da referida lei, que retirava a obrigatoriedade da área.
Com a Lei n. 9.394/96, revogam-se as disposições anteriores
e Arte é considerada obrigatória na educação
básica: “O ensino da arte constituirá componente curricular
obrigatório, nos diversos níveis da educação
básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”
(art. 26, § 2o).
Vê-se que da conscientização profissional que predominou
no início do movimento Arte- Educação evoluiu-se para
discussões que geraram concepções e novas metodologias
para o ensino e a aprendizagem de arte nas escolas.
É com este cenário que se chegou ao final da década
de 90, mobilizando novas tendências curriculares em Arte, pensando
no terceiro milênio. São características desse novo
marco curricular as reivindicações de identificar a área
por Arte (e não mais por Educação Artística)
e de incluí-la na estrutura curricular como área, com conteúdos
próprios ligados à cultura artística e não apenas
como atividade.
Dentre as várias propostas que estão sendo difundidas no
Brasil na transição para o século XXI, destacam-se aquelas
que têm se afirmado pela abrangência e por envolver ações
que, sem dúvida, estão interferindo na melhoria do ensino
e da aprendizagem de arte. Trata-se de estudos sobre a educação
estética, a estética do cotidiano, complementando a formação
artística dos alunos. Ressalta-se ainda o encaminhamento pedagógico-artístico
que tem por premissa básica a integração do fazer
artístico, a apreciação da obra de arte e sua contextualização
histórica .