A arte como objeto de conhecimento
O universo da arte caracteriza um tipo particular de conhecimento que o
ser humano produz a partir das perguntas fundamentais que desde sempre se
fez com relação ao seu lugar no mundo.
A manifestação artística tem em comum com o conhecimento
científico, técnico ou filosófico seu caráter
de criação e inovação. Essencialmente, o ato
criador, em qualquer dessas formas de conhecimento, estrutura e organiza
o mundo, respondendo aos desafios que dele emanam, num constante processo
de
transformação do homem e da realidade circundante. O produto
da ação criadora, a inovação, é resultante
do acréscimo de novos elementos estruturais ou da modificação
de outros. Regido pela necessidade básica de ordenação,
o espírito humano cria, continuamente, sua consciência de existir
por meio de manifestações
diversas.
O ser humano sempre organizou e classificou os fenômenos da natureza,
o ciclo das estações, os astros no céu, as diferentes
plantas e animais, as relações sociais, políticas e
econômicas, para compreender seu lugar no universo, buscando a significação
da vida.
Tanto a ciência quanto a arte, respondem a essa necessidade mediante
a construção de objetos de conhecimento que, juntamente com
as relações sociais, políticas e econômicas, sistemas
filosóficos e éticos, formam o conjunto de manifestações
simbólicas de uma determinada cultura.
Ciência e arte são, assim, produtos que expressam as representações
imaginárias das distintas culturas, que se renovam através
dos tempos, construindo o percurso da história humana. A própria
idéia de ciência como disciplina autônoma, distinta da
arte, é produto recente da cultura ocidental. Nas antigas sociedades
tradicionais não havia essa distinção: a arte integrava
a vida dos grupos humanos, impregnada nos ritos, cerimônias e objetos
de uso cotidiano; a ciência era exercida por
curandeiros, sacerdotes, fazendo parte de um modo mítico de compreensão
da realidade.
Mesmo na cultura moderna, a relação entre arte e ciência
apresenta-se de diferentes maneiras, do início do mundo ocidental
até os dias de hoje. Nos séculos que se sucederam ao Renascimento,
arte e ciência eram cada vez mais consideradas como áreas de
conhecimento totalmente diferentes, gerando uma concepção falaciosa,
segundo a qual a ciência seria produto do pensamento racional e a arte,
pura sensibilidade. Na verdade, nunca foi possível existir ciência
sem imaginação, nem
arte sem conhecimento. Tanto uma como a outra são ações
criadoras na construção do devir humano. O próprio conceito
de verdade científica cria mobilidade, torna-se verdade provisória,
o que muito aproxima estruturalmente os produtos da ciência e da arte.
Os dinamismos do homem que apreende a realidade de forma poética
e os do homem que a pensa cientificamente são vias peculiares e irredutíveis
de acesso ao conhecimento, mas, ao mesmo tempo, são dois aspectos
da unidade psíquica. Há uma tendência cada vez mais acentuada
nas investigações contemporâneas no sentido de dimensionar
a complementaridade entre arte e ciência, precisando a distinção
entre elas e, ao mesmo tempo, integrando-as numa nova compreensão
do
ser humano. Nova, mas nem tanto. Existem muitas obras sobre o fenômeno
da criatividade que citam exemplos de pessoas que escreveram a respeito do
próprio processo criador. Artistas e cientistas relatam ocorrências
semelhantes, tornando possível a sistematização de certas
invariantes, como por exemplo, o ponto culminante da ação criadora,
a famosa “Eureka!”: o instante súbito do “Achei!” pode ocorrer para
o matemático na resolução repentina de um problema,
num momento em que ele não esteja pensando no assunto. Da mesma forma,
um músico passeava a pé depois do almoço, quando lhe
veio uma sinfonia inteira na cabeça; só precisou sentar depois
para escrevê-la. É claro que nos dois casos, tanto o matemático
quanto o músico estiveram durante um longo
tempo anterior maturando questões, a partir de um processo contínuo
de levantamento de dados, investigando possibilidades.
Parece que, em geral, esse caráter de “iluminação súbita”
é comum à arte e à ciência, como algo que se revela
à consciência do criador, vindo à tona independentemente
de sua vontade, quer seja naquele ou noutro momento, mas sendo posterior
a um imprescindível período de trabalho árduo sobre
o assunto.
Malba Tahan, um dos mais importantes educadores brasileiros no campo da
matemática, disse, no início da década de trinta, que
a solução de um problema matemático é um verdadeiro
poema de beleza e simplicidade.
Para um cientista, uma fórmula pode ser “bela”; para um artista plástico,
as relações entre a luz e as formas são “problemas a
serem resolvidos plasticamente”. Parece que há muito mais coisas em
comum entre estas duas formas de conhecimento do que sonha nossa vã
filosofia. Esta discussão interessa particularmente ao campo da educação,
que manifesta uma necessidade urgente de formular novos paradigmas que evitem
a oposição entre arte e ciência, para fazer frente às
transformações políticas, sociais e tecnocientíficas
que anunciam o ser humano do século XXI.
Apenas um ensino criador, que favoreça a integração
entre a aprendizagem racional e estética dos alunos, poderá
contribuir para o exercício conjunto complementar da razão
e do sonho, no qual conhecer é também maravilhar-se, divertir-se,
brincar com o desconhecido, arriscar hipóteses ousadas, trabalhar
duro, esforçar-se e alegrar-se com descobertas.